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                   Catedral  de LA PLATA, foto: iStock Crédit Leonid  Andronov  
                     
                  VIAGENS  DE ANTONIO MIRANDA PELO MUNDO 
                    LA PLATA e depois, outra vez, BUENOS AIRES - ARGENTINA 
                    08 a 10-10-2006 
                    
                  A  cidade cresceu muito e é quase um subúrbio de Buenos Aires, mas La Plata tem o  charme de ser uma cidade projetada no melhor estilo de seu tempo.  
                    Apenas um século, mas com uma tradição de cidade universitária e das artes. 
                    Na minha primeira visita, meu anfitrião foi o vanguardista A. Eduardo Vigo,  para participar de uma memorável exposição de arte verbal, na Radio  Universidade. Isso foi em 1962 e hoje Vigo é um homem célebre na cidade, com um  memorial de sua obra montado por amigos.  
                    Já voltei “ao local do episódio, mais de uma vez.” Regresso agora, uma vez  mais, na companhia de Nildo, para rever sua famosa praça central em que  se destacam edifícios públicos de estilo francês fin-de-siecle, a torre  da Municipalidad e a monumental catedral de estilo neogótico. 
                    Vitrais e rosácea maravilhosos. A nave central, cruzada, é de uma altura  gigantesca, sublime. Simples, sem rebuscamentos. 
   
                    Fomos de ônibus pela autopista, atravessando uma planície cinzenta e monótona, com  traços pungentes da miséria que aflige os entornos de nossas metrópoles do  Terceiro Mundo. 
                    Optamos pela volta no trem, tudo em ruinas. A estação mal cuidada, os trens em  péssimo estado de conservação, a via férrea descuidada, com cercas arruinadas.  Uma tristeza.  
                    Gente pobre, sujeira. O comboio deteve-se a meio caminho, no meio do nada, em  lugar abandonado. Os moleques nos estribos, nós incomodamente instalados em  bancos estreitos, apertados. Quase uma hora depois veio um trem e, somados os  passageiros, de estação em estação, até o ponto final em Constituición. Ruínas! 
                    A velha estação inglesa está abandonada, ferrugem no teto encardida e o teto  semi-destruído, como em circo mambembe. 
   
                    Felizmente, na passagem para o “subte”, para o metrô, via-se o início de uma  obra de recuperação parcial do velho e histórico  edifício, que poderá um dia devolvê-la à  dignidade. Melancólico. Nos anos 60 já havia sinais de decadência, mas agora a  decadência passa pelas instalações e chega às pessoas. É possível que já fosse  assim, mas eu era mais jovem nos anos 60, e via tudo com mais condescendência. 
                   
                  NO  “NOTORIUS”, EM BUENOS AIRES 
                     
                    O encontro foi marcado no “point” Notorius, um estabelecimento sui-generis.  Loja de discos de jazz e música clássica, do melhor da música mundial, e da  Argentina, além dos importados, além do café concert... 
                    Um local requintado, caro, para um público privilegiado como está a sugerir o  próprio nome — NOTORIUS. 
                    Lá já estavam à nossa espera os amigos Graciela Wencenblat e o  companheiro Eduardo, que é psiquiatra.  
                    Um casal desbordante de alegria e felicidade. Ele é de um humor verdadeiramente  extraordinário e ela, intelectual sem poses forçadas, é carinhosa de dedicada  aos amigos. 
                    Jantamos e assistimos a um excelente grupo de músicos de jazz, com uma crooner excepcional que, além de blues e jazz puros, investia também pelo  tango no estilo Piazzola e na bossa-nova de Donato e Djavan.  
                    Uma noite das mais agradáveis, de “papo” desbragado, bem humorado, coroado por  uma noite em que sobressaía uma lua cheia gigantesca e um clima esplêndido de  quase primavera.  
   
                    Orlando Valdéz veio de Rosário para passar o dia comigo.  
                    É uma pessoa afável, sensível. É um poeta ainda jovem, talentoso. Metalúrgico.  Conhecía-o pelos e-mails e por seu livro de poesias enviado em formato digital. 
   
                    Fomos para o mercado San Telmo, ao encontro de  Patrícia Boero, da revista Zona Moebius, nossa amiga comum  e, com Nildo, passeamos pela praça e almoçamos em um restaurante nas  imediações.  
                    Patrícia nasceu em San Telmo e conhece os lugares mais autênticos, onde se como  a parrilla mais típica, com gente do lugar.  Minhas relações com Patrícia andam um tanto  complicadas. Tem um temperamento exaltado. Não obstante, gostamos um do outro,  há um respeito mútuo. “Entre tapas e beijos”, como comumente se diz... Ela dá  os tapas, eu dou os beijos... Ela tentou impor-me uma série de compromissos —  inadmissíveis — para uma parceria entre nossas páginas na Internet. Agora ela e  minha amiga Sofia entraram em rota de colisão. Como Sofia recebe meus amigos em  seu apartamento de Palermo, as coisas ficaram complicadas... Não tive  argumentos para resolver a disputa. 
                    Fomos depois passear pelo parque, conversar e a deixamos bastante magoada. Ela  passa por uma crise financeira e anda extremamente irascível, queixando-se das  “falsas amizades”, sentindo-se excluída, renegada.    
   
                    A recepção no apartamento de Sofia e de Mário foi esplêndida. Vieram poetas,  artistas plásticos, gente de teatro e de cinema.  Em sua maioria, poetas. Quase todos eles  entraram no circuito através da Internet.   Milagre da rede. Nem todos se conheciam, alguns só por e-mail ou por  vê-los em páginas e blogs de literatura. Sinal dos tempos. 
                    Revi meus queridos amigos Eduardo Dalter e Susana Wencelblat.  Reencontrei-me com Susana Romanos de  Tiratel, amiga da área de Biblioteconomia, com quem me encontro em  seminários e congressos profissionais (no México, na Venezuela e em Porto Rico,  além de Buenos Airesss/Argentina, desde a década de 70. 
                    Vieram também os poetas Herman Tenório e Alfredo Palacios, com  quem troco e-mails há pouco tempo. Concorrem outros poetas que não conhecia ou  que conheci no Bar Tolomeo, entre eles Beatriz Schaffe Peña e vários  outros. A empatia foi totals. Um “papo” animado, por mais de cinco horas, até ao  início da madrugada. 
                    Sofia, a anfitriã, adora receber gente, mais ainda, gente inteligente... Servia  a todos todo o tempo — castanhas, “sopa praguaya”, empanadas de Salta (o marido  Mario acabara de ciar de lá com caixas delas prontas para o forno....) e, por  último, uma imensa torta de chocolate preparada por Susana Wencelblat.   
                    E abria garrafas de vinho Concha y Toro, quase vinte delas, além dos  refrigerantes.  
   
                    Quando estavam todos reunidos no ponto mais alto do congraçamento, aproveitei  para ler uns poemas de Beatriz que havia traduzido para o português,  hora antes e, finalmente, alguns de meus próprios poemas em espanhol. Leitura  seguida de perguntas e comentários de todo tipo, formando-se um fórum animado e  estimulante.  
                    Uma noite das mais agradáveis. É muito bom rever e fazer novas amizades em  clima tão solidário e fraterno.  
                    No dia seguinte [10/09/2006] fomos a uma exposição de Poesia Visual Argentina  no Centro Cultural La Recoleta. Estava também uma mostra ampla da obra do poeta  visual catalão Joan Brossa. Fantástico! Objetos (poemas-objetos),  gravuras, esculturas e curta-metragens. Dignos de admiração. 
                    Concluimos a noite na pré-estréia da peça  “El mejor país del mundo”, do autor e diretor uruguaio Omar  Varela [gomarvarela@hotmail.com] com apenas dois  atores: um jovem e uma atriz muito experiente — Georgina Barborosa. Uma  comédia leve, bem montada.  Texto próprio  para fazer brilhar sozinha a atriz, que deve ter muitos admiradores na  Argentina. 
                      [Estavam também a  estudante donnerlik@hotmail.com, com a estudante de cinema Polyana, filha de meu amigo Benedito  Medeiros, e o diretor de teatro Omar Varela, amigos de Sofia. 
   
  Omar é  relativamente jovem. Estudou teatro no Rio de Janeiro e hoje é talvez o  dramaturgo uruguaio mais conhecido e reconhecido em seu país e tenta, pela  primeira vez, o sucesso no mercado teatral argentino. Está tenso, como é  normal. O público portenho dever ser exigente e ele precisa acertar o tom.  Os pré-ensaios, com público, sé justamente  para calibrar o espetáculo, para medir a reação do público, para fazer ajustes. 
    É uma peça simples, mas bem escrita. O tema é bastantes adequado para a classe  média platina — a crítica às condições de vida nos países, a ideia de que tudo é  melhor em Nova Iorque... e a desilusão posterior, anunciada pelo jovem (filho  da protagonista) que regressa dos Estados Unidos da América e adverte que lá  não é o paraíso..., enquanto a mães, disposta a ir-se para os States, tenta  convencer o filho de que nada vai conseguir em seu próprio país... Um diálogo, quase  um monólogo da protagonistas, sobre situações reconhecíveis.  
    Auguri sucesso ao Omar. Ele merece.      
   
    Visitamos antes os claustros del Pilar e o curioso Cemitério de la Recoleta,  com as tumbas monumentais das grandes famílias portenhas.  
    Último dia, últimas horas. Fomos ao centro para o obrigatório passeio pela  “calle” Florida, passando pela “Plaza” de Mayo se voltando até Lavalle, região  de compras e turismo. Marcáramos um encontro com Mario de Andrade para  um almoço de despedida. Levou-nos a uma “parrillada” tradicional.  
    Ele trabalha no Banco Mundial e está próximo da aposentadoria, quando deve  regressar ao Brasil. 
                
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